sábado, 17 de dezembro de 2011

Análise (parte 3): Quem Quer Ser Um Milionário?


Vale ressaltar que essa análise entrega toda a história do filme.


A condição de escravidão das crianças é ilustrada no plano em que brincam distraídas cercadas por largas pilastras. O quadro estruturado na geometria dos pilares encarcera e contrapõem a fragilidade infantil à brutalidade daqueles blocos de cimento. Perceba também como a montagem dos planos separa Salim, agora capataz, dos amigos e como as pedras em primeiro plano salientam a rudeza com que o menino irá tratá-los.



O filme não nos deixa antipatizar com Salim, oferecendo logo adiante sua redenção. Será ele quem salvará Jamal de um destino trágico.

Toda a sequência em que cegam um menino, relaciona-se com os contos fantásticos. A cabana isolada na floresta, o capanga que intimida o espectador, o bruxo que prepara a "poção" e a criança que canta desconhecendo seu fim trágico, são elementos presentes em histórias como João e Maria e Chapéuzinho Vermelho. Contos infantis que beiram o bizarro caso interpretados racionalmente. E é exatamente a roupagem infantilizada que elimina o tom trágico e absurdo da história. Assim como em Quem Quer Ser Um Milionário?.

A iluminação - ponto preponderante - compartilha da narrativa. A luz amarela, presente no menino, cria a ilusão das boas intenções de Maman - parcialmente iluminado. O espectador percebe a estranheza da situação, mas as crianças não. Quando o vemos em contraplano, todo iluminado, notamos sua espera ansiosa pela recompensa por ter executado a canção, mas o fogo ao fundo entrega seu destino infeliz. 


E então o lampião e sua luz amarelara são retirados de cena assim como qualquer dúvida sobre o caráter maléfico de Maman aos olhos de Salim. Permanecendo a luz fria e amaldiçoada da Lua - emulada pelo holofote.

Destaque para o plano que representa a nova visão do menino a respeito de Maman, colocando-o recortado em primeiro plano (sua outra faceta) com as crianças desfocadas e empalidecidas ao fundo. Mais uma vez o azul, também encontrado no programa de TV, marca a crueldade e frieza daquele homem, acentuada pelo tridente no centro do quadro.

Reencontraremos o confronto entre a iluminação azulada e amarelada no plano que revela Latika e Jamal conversando sobre seu próspero futuro como cantor. A luz amarela traz aconchego à cena salientando um momento íntimo e tenro do casal, em contrapartida o azul vindo da floresta, refletido no veículo, nos faz lembrar do amargo destino de Jamal. A pilastra divide o quadro reforçando o teor antagônico existente entre a floresta e a casa - que "protege" o sono tranquilo das crianças.



Os irmãos fogem por intermédio de Salim, deixando Latika para trás.

Os meninos, perdidos, passam a sobreviver no trem. Perceba como estão diminutos perante à grandiosidade do cenário, mesclados à fumaça e fadados à uma vida insignificante.

Quando Jamal pergunta ao irmão para onde eles vão, há pela segunda vez um plano totalmente rarefeito (fundo tendendo ao branco). Diferentemente da introdução do filme - liberdade e ingenuidade infantil - este expressa o vazio de suas vidas ausentes de sonhos, dos pais, de futuro e sem nada construído ou para construir, apenas sobrevivendo e adaptando-se ao presente.

Então Salim, prostrando-se superior ao irmão, coloca-se definitivamente como seu responsável.


Os dois são jogados do trem e a montagem insere uma passagem de tempo. Envelhecem enquanto rolam pelo chão pedregoso, resumo da vida árdua que levaram nesse ínterim.

Depois desta passagem, de maior cumplicidade entre os irmãos, o filme passa a acentuar suas diferenças de caráter. Começando por estabelecer a maior espiritualidade de Jamal. Perceba como este tem um canal nítido e aberto até Taj Mahal enquanto Salim enxerga-o sob a poeira. E é interessante perceber como as atitudes questionáveis de Jamal são sempre justificadas, ou pela fatalidade ou pela má influência do irmão.

Toda a cena no Taj Mahal é caricata. A forma como Jamal se passa por guia, os turistas absolutamente ingênuos, os roubos de Salim, o ritmo da montagem, a trilha, são elementos que suavizam as atitudes de Jamal que passara a auxiliar nos negócios do irmão. 

Jamal, deformado pelos machucados e pelo caminho tortuoso que escolhera (reflexo na água), lava-se sob a luz do luar. Se antes a Lua rogava suas maldições, aqui surge como elemento transformador, reforçado pela imersão do menino na peça teatral. Seus pensamentos percorrem suas últimas lembranças de Latika, sempre envolvida de amarelo, chegando até o plano da estação de trem. Ponto de virada na narrativa. 


Agora Jamal tem um objetivo de vida: Encontrar Latika.

Os dois irmãos voltam à cidade natal e Jamal passa a procurar a menina em todos os cantos da região. Conseguindo, finalmente, descobrir seu paradeiro por intermédio de um antigo amigo: Arvind. O menino cantor que fora cego por Maman.

Inicialmente vemos os dois juntos e equilibrados no plano, nos fazendo lembrar da paridade do passado deles. Entretanto, enquanto Jamal está livre no quadro, Arvind permanece preso à parede, salientando, naturalmente, sua condição de cego, mas também de escravo. A sombra rígida e negra atrás dele reforça sua situação absurda. Quando o assunto desvia para Latika não vemos mais Arvind no plano. Somo direcionados ao que "realmente importa" para a narrativa: o paradeiro da menina - luz no fim do túnel. 


Continua...



2 comentários:

  1. Cara, parabéns pelo excelente trabalho.
    O texto e as observações estão muito boas, e digo mais: estão melhorando a cada post.
    Parabéns mesmo. abraço!

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  2. Cara, vlw muito pela força!
    Isso sempre dá um gás para a feitura dos próximos textos!
    abraço!

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