sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Análise (parte 1): Quem Quer Ser Um Milionário?





Vale ressaltar que essa análise entrega toda a história do filme.


Quem Quer Ser Milionário, lançado em 2008 e dirigido por Danny Boyle, obteve dez indicações ao Oscar, vencendo quatro, inclusive o de melhor filme.

Conta a história de Jamal, rapaz de 18 anos, nascido na favela de Mumbai na Índia, que, buscando reencontrar seu grande amor, Latika, candidata-se ao famoso programa de televisão Show Do Milhão, do apresentador Prem Kumar, acabando por avançar até a última pergunta valendo a quantia de 20 milhões de rúpias. Gerando assim, a adoração do povo indiano e a desconfiança da polícia.

O prólogo de Quem Quer Ser Milionário já nos apresenta sua estrutura básica ao longo da projeção, o entrelaçamento de três narrativas: Jamal na polícia, no passado e na televisão. Entretanto a cena do seu passado ainda está escondida como um apêndice da cena do programa de TV. Perceba que o plano no qual notas são jogadas numa banheira potencializa o dinheiro em jogo, a possibilidade de enriquecimento fácil e serve como um ponto futuro na história, já que descobriremos que ele ganhará o prêmio máximo.

Contudo, o elemento mais preponderante dessa alternância de cenas (montagem) é sua continuidade emocional. As emoções de Jamal serão elo dos planos dissonantes - o tapa que leva do policial reverbera na próxima cena - já que o estado psicológico do rapaz, tanto na tortura quanto no programa, é parecido.


A cor amarela, espiritualidade e força interior na Índia, inunda o plano da tortura de Jamal, rivalizando com o azulado, frio e materialista, presente no show de TV. Além do calor que gera na sequência, o amarelo evoca o sagrado, existente no injustiçado rapaz e na projeção que faz de Latika (blusa amarela).

O diretor nos faz crer na energia emanada pelo adolescente. Perceba como a luz projetada por cima de Jamal, único de frente para o espectador, envolve o policial que o revista. O mesmo que irá ponderar, posteriormente, sobre sua credibilidade. E como a luz amarela do peito de Jamal, no lado direito, equilibra o peso gerado no plano pelo guarda e as pernas do inspetor do lado esquerdo.


Inicialmente o inspetor, mesmo descrente da verdade, procura não se envolver em demasiado. O fato de lamentar e não presenciar a tortura isenta-lhe de certa culpa, já que está a seguir ordens. Assim como seu subalterno. Há o contraponto, no primeiro plano, entre seu rosto, imerso em sombra, e o rosto iluminado do guarda, que está a defender Jamal. 


Então somos lançados ao passado do protagonista. 

A introdução desenvolve, com habilidade, a relação de Jamal enquanto criança, com o cenário onde nascera e o abismo entre as classes sociais em Mumbai.

As crianças, sujas e maltrapilhas, brincam num cenário aberto e vazio. O céu, branco e uniforme, salienta a liberdade quase ilimitada daqueles meninos, que extrapolam suas condições sociais movidos pela pureza e ingenuidade. A quase inexistência do fundo cria a ilusão de estarem fora do mundo real.

O céu, sem fronteiras e julgamentos, toma todo o quadro numa montagem bastante sugestiva.


E a bola, lançada aos céus, vai em direção à Jamal. Como uma oportunidade única, uma chance exclusiva de vencer. Então um avião, símbolo econômico, corta o plano e atrapalha o menino que por um instante erguera as mãos ávido pela vitória. O avião evoca os guardas, também moradores da favela, que perseguem as crianças forçando-os a voltarem para sua realidade.

Jamal, por um instante, é isolado do grupo. Plano em que está no centro, em destaque, cercado pelos guardas. E ao fundo, ainda distante, a cidade que futuramente se renderá ao menino. 


A mesma energia conjugada nesses planos é mantida por toda a sequência, utilizando-se de uma montagem de vídeo clipe para extravasar o ritmo da trilha aos cortes e com objetivo claro de concedê-la uma visão infantil.

O diretor desmascara a fronteira física e social que separa aqueles dois mundos, mostrando as crianças pulando o muro que os cerca. Os corredores e becos, inundados pela sombra, recortam aquele corpo orgânico que é a favela. Diferentemente dos primeiros planos, abertos e rarefeitos, os na favela são saturados e fechado em si, enclausurando os personagens num ambiente sujo e pobre.  


O espectador experimenta todas as posições possíveis (ângulos de câmera) ao longo da correria, até mesmo sob a visão de uma galinha... Em alguns momentos testemunhamos imparcialmente a fuga dos meninos, em outros fugimos com eles, e ainda outros os perseguimos junto ao policial. 


Ao longo da fuga o ritmo acelerado é quebrado com a inserção de retratos da absurda pobreza do lugar. Esses planos descritivos unem-se ao clipe principal contextualizando definitivamente o habitat de Jamal e seu irmão.

Não satisfeito, o diretor resume, num plano aéreo, a ligação dos meninos - como pequenas células - à favela que surge como um corpo orgânico impenetrável. Visão esta que os passageiros do avião têm daquela região miserável.   

 
O primeiro indício objetivo de que estamos testemunhando um conto fantástico reside no enquadramento (plongée), em câmera lenta, do livro "Os três mosqueteiros". Entretanto a introdução já fora construída, conotativamente, com uma visão infantilizada, maquiando por meio da leveza do contexto das crianças, da trilha e dos planos, a condição desumana da favela. Que mesmo registrada, sofre uma redução de impacto sobre o espectador.


Exemplo encontra-se na escola dos irmãos. É percebível a extrema falta de condições da sala de aula e a violência com que Jamal é tratado pelo professor, mas pouco nos afeta, já que a sequência é demasiadamente curta e tratada com humor.   

 
Continua... 


 


4 comentários:

  1. Continua quando??? rs
    Tem como tu falar um pouco da trilha sonora cara? Lembro também que no final tem um número musical. Que eu curti muito por sinal!

    Abração

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  2. Pretendo postar a segunda parte hoje. Essa análise tá bastante complicada de fazer.

    Então, eu chego a mencionar de leve o papel da trilha em algumas passagens. Vou ver se especifico um pouco mais.

    No final tem um número musical sim e pretendo falar sobre ela.

    abraço!

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  3. Fala, Rodrigão! Boa escolha de resenha... Gostaria que vc comentasse sobre uma certa supervalorização desse filme, que a meu ver nem figura entre os melhores do Boyle.

    E que naquele ano tinha concorrentes como "Onde os fracos não têm vez" e "Sangue negro" no Oscar (e na minha opinião, "Slumdog" não é melhor do que esses filmes).

    abração!
    Guto

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  4. Fala Guto! Eu pretendo fazer um texto na sessão reflexão sobre o oscar daquele ano!

    Com certeza "Quem Quer Ser Um Milionário?" Foi supervalorizado, algo normal no Oscar... rs

    Abração!

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