Parte 3
Parte 4
Vale ressaltar que essa análise entrega toda a história do filme.
A seguir, destaco dois momentos interessantes da montagem.
Parte 4
Vale ressaltar que essa análise entrega toda a história do filme.
A seguir, destaco dois momentos interessantes da montagem.
O primeiro é preparado ao longo
da conversa entre o guarda enfurecido e a mãe dos meninos. A conjunção da
câmera situada na altura das crianças com a iluminação dura sobre o guarda,
aumentam as dimensões e periculosidade do homem, colocando-nos na mesma
situação de fragilidade em que se encontram.
E então, após o grito raivoso, a
câmera, num travelling frontal, avança assustada para a barra da sai da mãe.
Possibilitando assim, mediante ao escurecimento do plano devido à excessiva
proximidade com a roupa, o corte para a próxima cena: os três se encaminhado
para a sala de aula. Concluindo, engenhosamente, a elipse (passagem de tempo)
entre as duas sequências.
O segundo é um elemento de
continuidade entre os cortes. E apresenta-se no momento em que o professor
empurra a cabeça de Jamal para baixo e bate com o livro em sua nuca. O elemento
"nuca" estabelece o elo com o próximo plano.
Então voltamos para a
delegacia...
O interrogatório é o tempo presente
de Jamal. O espectador não tem acesso ao futuro, já que ainda não ocorreu
dentro da realidade do filme. Mas acessamos seu passado por meio de duas vias:
pelas suas memórias e pela televisão.
As gravações do programa
colocadas pelo inspetor nos concede, de forma imparcial, o passado recente de
Jamal. Já que estamos testemunhando, junto aos personagens, os momentos
registrados pela câmera da TV. Entretanto o passado narrado pelo rapaz, de
forma onipresente, nos oferece uma história deformada pela sua ótica.
Há uma relação intrincada entre o
presente, no interrogatório, e o passado no programa. Pois, além do primeiro
ter sido consequência do segundo, o espectador assiste aos dois ao mesmo tempo,
por intermédio da montagem paralela, como duas realidades existentes com o
mesmo personagem, reforçado pelo fato da câmera, em dado momento num travelling
frontal, caminhar pela mesa da delegacia e "adentrar" a televisão. Ou
quando o inspetor senta-se para interrogar Jamal e ouvimos o som marcante da
entrada do "Show do Milhão", como se lá fosse o programa.
Inicialmente frágil, Jamal vai se
adaptando, gradualmente, às duas situações estranhas. Contudo essa fragilidade
nos é apresentada de formas diferentes. Quando confrontado pelo inspetor,
encontramos o rapaz inferiorizado no segundo plano do quadro, enfatizando sua
impotência perante um homem da lei. Em contrapartida, no show de TV, o
encontramos totalmente equilibrado no plano com o apresentador. Já que, para o
programa, os dois são de suma importância. Então, a fragilidade de Jamal é
conferida pelo seu nervosismo, rivalizando com o domÃnio de Prem sobre a
platéia.
O ponto de virada do rapaz vem no
plano em que é "parabenizado" por Prem ao responder ao inspetor de
forma atravessada, e quando acerta a resposta sobre religião, claramente frustrando
o apresentador.
No momento em que Jamal é
questionado na delegacia ou no programa adentramos em seu passado buscando a
experiência corresponde à resposta. Perceba como sua mente vasculha as memórias
referentes ao elemento "arco e flecha" - que é apresentado em
primeiro plano. E como o trauma do rapaz interfere nas lembranças do
assassinato da mãe. A sequência do mergulho ao golpe fatal, tem o som
distorcido pela água, como se Jamal estivesse submerso por toda a cena. Além de
sua flagrante onipresença ao lembrar da mãe morta, fato não presenciado por
ele.
Jamal relaciona o Deus Rama, no
corpo de menina, ao surgimento de Latika. Já que esta nos é apresentada logo
após a entidade. Diminuta, como um detalhe no cenário, denotando toda sua
fragilidade e insignificância perante a situação.
E continua mesclada ao fundo - do
lado mais fraco do quadro e desfocada - mesmo depois de resgatada pelos irmãos.
Presa a uma vida sem dignidade, dependente da boa vontade dos outros. Fato
acentuado quando Jamal e Salim refugiam-se dentro de um container escondendo-se,
por um momento, da dura realidade que os cerca. Enquanto os dois discutem se
devem ou não acolhê-la, ela desvanece em meio à chuva.
Perceba como os limites do
container constroem uma janela para o mundo, criando a ilusão de estarem isolados.
Entretanto o plano nos mostra que é Latika, ao fundo, que está sozinha, perdida
em sua sub-existência. Sua fragilidade é tão desesperadora que a qualquer
momento ela escorrerá pelo plano desequilibrado. O vazio pesa mais que a menina
(quadro inclinado para direita).
Então Jamal a convida a partilhar
do abrigo, aproveitando que o irmão está perdido em seus pensamentos.
Oferecendo não apenas a sua amizade, mas a possibilidade de existir.
Utilizando a profundidade de
campo, que determina a área de foco na cena, o diretor direciona nosso olhar e
separa Salim dos dois. Destacando a imersão do menino em seus pesadelos.
Os três passam a sobreviver num
lixão até serem persuadidos por Maman, um malfeitor que explora crianças de
rua.
Novamente há a compressão de uma
experiência penosa de Jamal. Apesar do registro acentuado da miséria naquele
lugar, nos deparamos com os irmãos sob uma proteção, a cabana. Apenas Latika,
por um instante, é de fato inserida no lixão. E o mesmo acontecerá quando forem
escravizados por Maman. Que escolherá Salim como seu novo cão de guarda.
Continua...
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