terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Análise (parte 2): Quem Quer Ser Um Milionário?

Parte 3 
Parte 4

Vale ressaltar que essa análise entrega toda a história do filme.


A seguir, destaco dois momentos interessantes da montagem.

O primeiro é preparado ao longo da conversa entre o guarda enfurecido e a mãe dos meninos. A conjunção da câmera situada na altura das crianças com a iluminação dura sobre o guarda, aumentam as dimensões e periculosidade do homem, colocando-nos na mesma situação de fragilidade em que se encontram.

E então, após o grito raivoso, a câmera, num travelling frontal, avança assustada para a barra da sai da mãe. Possibilitando assim, mediante ao escurecimento do plano devido à excessiva proximidade com a roupa, o corte para a próxima cena: os três se encaminhado para a sala de aula. Concluindo, engenhosamente, a elipse (passagem de tempo) entre as duas sequências. 


O segundo é um elemento de continuidade entre os cortes. E apresenta-se no momento em que o professor empurra a cabeça de Jamal para baixo e bate com o livro em sua nuca. O elemento "nuca" estabelece o elo com o próximo plano.  


Então voltamos para a delegacia...

O interrogatório é o tempo presente de Jamal. O espectador não tem acesso ao futuro, já que ainda não ocorreu dentro da realidade do filme. Mas acessamos seu passado por meio de duas vias: pelas suas memórias e pela televisão.

As gravações do programa colocadas pelo inspetor nos concede, de forma imparcial, o passado recente de Jamal. Já que estamos testemunhando, junto aos personagens, os momentos registrados pela câmera da TV. Entretanto o passado narrado pelo rapaz, de forma onipresente, nos oferece uma história deformada pela sua ótica.

Há uma relação intrincada entre o presente, no interrogatório, e o passado no programa. Pois, além do primeiro ter sido consequência do segundo, o espectador assiste aos dois ao mesmo tempo, por intermédio da montagem paralela, como duas realidades existentes com o mesmo personagem, reforçado pelo fato da câmera, em dado momento num travelling frontal, caminhar pela mesa da delegacia e "adentrar" a televisão. Ou quando o inspetor senta-se para interrogar Jamal e ouvimos o som marcante da entrada do "Show do Milhão", como se lá fosse o programa.

Inicialmente frágil, Jamal vai se adaptando, gradualmente, às duas situações estranhas. Contudo essa fragilidade nos é apresentada de formas diferentes. Quando confrontado pelo inspetor, encontramos o rapaz inferiorizado no segundo plano do quadro, enfatizando sua impotência perante um homem da lei. Em contrapartida, no show de TV, o encontramos totalmente equilibrado no plano com o apresentador. Já que, para o programa, os dois são de suma importância. Então, a fragilidade de Jamal é conferida pelo seu nervosismo, rivalizando com o domínio de Prem sobre a platéia.  


O ponto de virada do rapaz vem no plano em que é "parabenizado" por Prem ao responder ao inspetor de forma atravessada, e quando acerta a resposta sobre religião, claramente frustrando o apresentador.

No momento em que Jamal é questionado na delegacia ou no programa adentramos em seu passado buscando a experiência corresponde à resposta. Perceba como sua mente vasculha as memórias referentes ao elemento "arco e flecha" - que é apresentado em primeiro plano. E como o trauma do rapaz interfere nas lembranças do assassinato da mãe. A sequência do mergulho ao golpe fatal, tem o som distorcido pela água, como se Jamal estivesse submerso por toda a cena. Além de sua flagrante onipresença ao lembrar da mãe morta, fato não presenciado por ele.  


Jamal relaciona o Deus Rama, no corpo de menina, ao surgimento de Latika. Já que esta nos é apresentada logo após a entidade. Diminuta, como um detalhe no cenário, denotando toda sua fragilidade e insignificância perante a situação.

E continua mesclada ao fundo - do lado mais fraco do quadro e desfocada - mesmo depois de resgatada pelos irmãos. Presa a uma vida sem dignidade, dependente da boa vontade dos outros. Fato acentuado quando Jamal e Salim refugiam-se dentro de um container escondendo-se, por um momento, da dura realidade que os cerca. Enquanto os dois discutem se devem ou não acolhê-la, ela desvanece em meio à chuva.


Perceba como os limites do container constroem uma janela para o mundo, criando a ilusão de estarem isolados. Entretanto o plano nos mostra que é Latika, ao fundo, que está sozinha, perdida em sua sub-existência. Sua fragilidade é tão desesperadora que a qualquer momento ela escorrerá pelo plano desequilibrado. O vazio pesa mais que a menina (quadro inclinado para direita).


Então Jamal a convida a partilhar do abrigo, aproveitando que o irmão está perdido em seus pensamentos. Oferecendo não apenas a sua amizade, mas a possibilidade de existir.

Utilizando a profundidade de campo, que determina a área de foco na cena, o diretor direciona nosso olhar e separa Salim dos dois. Destacando a imersão do menino em seus pesadelos.


Os três passam a sobreviver num lixão até serem persuadidos por Maman, um malfeitor que explora crianças de rua. 

Novamente há a compressão de uma experiência penosa de Jamal. Apesar do registro acentuado da miséria naquele lugar, nos deparamos com os irmãos sob uma proteção, a cabana. Apenas Latika, por um instante, é de fato inserida no lixão. E o mesmo acontecerá quando forem escravizados por Maman. Que escolherá Salim como seu novo cão de guarda.

Continua...



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