terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Análise (parte 3): Em Busca do Ouro

Vale ressaltar que essa análise entrega toda a história do filme.


E mais uma vez Chaplin desenvolve a personalidade de Carlitos utilizando uma gag física.

Jack resolve humilhá-lo na frente dos clientes aproveitando-se de sua maior força e estatura. Carlitos, mesmo receoso, não recua e confronta-o. Os dois brigam e o público diverte-se com a situação.

Chaplin enfatiza a ingenuidade corajosa do protagonista ao defender Georgia. Este não enxerga a humilhação sofrida, pois, à margem dos padrões e preconceitos sociais, vive e age de forma pura, seguindo indubitavelmente seus impulsos - fato sublinhado quando Carlitos tem sua visão bloqueada pelo chapéu afundado na cabeça. Ele não tem e nem percebe a maldade inerente dos homens e muitas vezes parece ser poupado de provações e atos mal intencionados dos outros - ilustrado pelo relógio que, coincidentemente, cai na cabeça do adversário. Carlisto, ao término da luta, imagina que nocauteara Jack prostrando-se vitorioso ao sair do salão. Está no meio do quadro exatamente como se sente naquele momento: o centro das atenções.



Consegue abrigo na casa de um generoso minerador e acaba por reencontrar Georgia, que divertia-se com as amigas ali perto.

Novamente devemos analisar o trabalho de posicionamento e movimentação dos atores na cena, pois estas são partes fundamentais da narrativa. Ao receber a dançarina em casa, vemos Chaplin no lado esquerdo e Georgia quase no centro do plano. Somente com esses elementos entendemos a importância que Carlitos dá à mulher (centralizando-a no quadro), além do fato dela própria sentir-se altiva na situação. O travesseiro, no canto extremo esquerdo, salienta os sinceros sentimentos do protagonista, pois lembremos que a foto e a flor estão lá escondidas. Diferentemente dos de Georgia para com Carlitos, ilustrados pelo cenário nevado emoldurado pelo vão da porta. Não por coincidência, as amigas permanecerão sob o vão por um instante, reforçando a idéia de distanciamento entre o casal, já que Georgia, presa ao seu círculo social, ainda mantém seus preconceitos. Entretanto o passo que dá aproximando-se de Carlitos ao apresentá-lo, entrega seu apreço por ele. Sentimento que irá aflorar, mesmo fingindo o contrário, ao encontrar sua foto escondida na cama.



Vale destacar que novamente uma personagem que humilha diretamente Carlitos é castigada. A amiga senta-se a seu lado e, junto a Georgia, debocha de sua ingenuidade. Imediatamente, o fogo do calçado queima-lhe por debaixo da cadeira - mesmo calor que ilustra o nervosismo de Chaplin perto da amada.

As meninas iludem Carlitos com uma promessa de jantarem no ano novo. Ele, realizando pequenos trabalhos, consegue quantia suficiente para preparar a refeição e comprar-lhes presentes. Mas, como era de se imaginar, elas não vão ao encontro, decepcionando-o profundamente  - destaque para a fabulosa dança dos pãezinhos. 

Em meios aos exageros da festividade, o velho Scooty entoa uma canção de nostalgia, deixando todos no Saloon pensativos com os caminhos escolhidos, com os erros cometidos e com a falta de esperança no futuro. Se no salão todos se unem ilusoriamente em busca de força para uma nova vida, no casebre, Carlitos sofre sozinho, não por arrependimentos passados, mas pela desilusão no presente. Ele, olhando o salão de fora, mescla-se com a escuridão que emoldura a janela, pois esta é física e emocional, denotando toda a tristeza em que se encontra.  



 
O sofrimento de Carlitos é apenas consequência de sua vida aproveitada de forma plena. Nada mais natural do que intempéries e desilusões no caminho de um homem que pôs-se como protagonista, ao contrário do mendigo que lhe defrontara no início do filme. Este, que escolhera não viver, mescla-se no salão como uma mobília usada e imperceptível (tente procurar o mendigo nos planos seguintes).



Carlitos, crente do amor de Geórgia (iludido por Jack), segue com Big Jim para as montanhas em busca do ouro desaparecido. A sequência a seguir - mais engenhosa do filme tecnicamente - terá a redenção do minerador que só obterá sua riqueza depois de provar seu valor moral. O casebre é carregado pela tempestade terminando por ficar pendurado num penhasco. Ainda de ressaca, Carlitos não percebe o perigo, vaga despreocupado pela casa - alegoria à vida fácil e sem responsabilidades dos ignorantes. Mas os dois, ao perceberem o ocorrido, entram em pânico, e, se inicialmente agem sozinhos buscando sobreviver, posteriormente entendem que apenas a cooperação poderá salvá-los.

Então Big Jim é testado: salvo, tem a escolha de ignorar Carlitos, deixando-o morrer e acumulando o dinheiro para si, ou de salvar o companheiro, dividindo o tesouro encontrado.



Ao final Chaplin ainda consegue recriminar o preconceito e egoísmo do homem para com seu próximo. O respeito infundado obtido pelo status social ou a felicidade vazia alcançada pelo dinheiro são reflexos de uma sociedade no qual um smoking é a diferença entre um homem digno de respeito e um vagabundo sem escrúpulos.