segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Análise (parte 2): Em Busca do Ouro


Vale ressaltar que essa análise entrega toda a história do filme.


Carlitos resolve voltar para uma das diversas cidades da redondeza erguidas na febre do ouro. Um cenário de excessos com homens frustrados com a própria falta de perspectiva. E lá somos apresentados, de forma magistral, à Georgia, o par romântico de Chaplin. Inicialmente vemos Jack, um brutamontes mulherengo típico do local, entrando num saloon. O cartaz, parcialmente obstruído, e os homens conversando são indícios de que aquele ambiente é frenquentado por quem procura diversão e mulheres de forma rápida e barata.
 

Surpreendentemente somos levados ao plano de uma senhorita bem vestida saindo de uma loja de fotografia. Seu olhar perdido e triste relaciona-se com as fotos dos casais no canto esquerdo quadro. Essas duas cenas se conectam criando sucintamente a estrutura da personagem Georgia, nos fazendo acreditar que esta sofre por ser uma dançarina do Saloon e sonha em constituir família como uma mulher respeitável. Mas Chaplin ainda nos oferece mais elementos sobre ela. Perceba como ele cria a relação de Georgia com Jack, o vilão, e suas amigas de Saloon, mas a difere das demais ao fazê-la recusar o convite e seguir sozinha para o bar.

Vale ressaltar que no momento em que os quatro conversam com Georgia nos é permitido ler o cartaz completamente, enfatizando definitivamente a condição delas. 

 

Então adentramos a senquência mais importante do filme: o encontro de Carlitos e Georgia. E atenhamo-nos na capacidade de Chaplin de contar a história com a ajuda da cenografia, principalmente com o posicionamento e movimentação dos atores.

O primeiro plano nos apresenta o Saloon Monte Carlo. Há ação sendo desenvolvida em todo o cenário, seja na frente ou no fundo, com homens conversando, fumando, bebendo, gargalhando ou assediando as mulheres. Entretanto a câmera testemunha aquele ambiente carnavalesco de longe.

Georgia finalmente surge no quadro e a vemos pela primeira vez vestida de dançarina, consequentemente a câmera nos aproxima para que possamos vislumbrar sua beleza promíscua e para que intensifiquemos nossa relação, pois, mais do que seus próprios amigos, somos íntimos conhecedores de suas aflições. 

 

Carlitos chega ao Saloon e permanece parado exatamente debaixo do portal. Os fregueses o ignoram por completo, deixando-o sozinho após algum tempo. Perceba como a estrutura de madeira cria uma janela separando Chaplin e o espectador daquele ambiente. Nós somos estranhos àquela gente. Há uma diferença social flagrante entre o mendigo forasteiro e os homens esbanjadores que se divertem no local. Carlitos, ingênuo e pobre, não compartilha da extravagância existente mantendo-se insignificante para os outros.

O portal é a fronteira entre dois mundos distintos: o saloon, que vende falsos prazeres, e o lado de fora, com sua dura realidade.     



Carlitos, equivocadamente, adentra o salão imaginando que Georgia o cumprimentara, não percebendo que ela acenava para um distinto homem que chegara as suas costas. Chaplin, apenas com imagens, sintetiza a decadência de homens que vivem sob a fantasia de falsas promessas, ao ultrapassar com Carlitos a fronteira (o portal) de sua condição social e moral, entrando numa vida marginalizada (salão), a partir de uma ilusão amorosa (aceno da dançarina). Não a toa irá entregar-se a bebida furtando uma dose da bandeja do garçom.

 

Georgia reclama à amiga sua insatisfação com a vida e a falta de um homem decente em seu caminho, e cega pelo preconceito, não vê a felicidade parada as suas costas. Carlitos passa despercebido mesmo debaixo de seu nariz, sendo reconhecido somente por outro de sua classe - o mendigo que o vê admirando a foto da dançarina - o qual também não ultrapassa a fronteira de classes representada pelo portal de madeira e limita-se a espiar de longe as extravagâncias no salão.

 

Chaplin encontra a foto de Georgia como dançarina - sua faceta promíscua - e a guarda. O retrato rasgado por Jack faz alusão aos efeitos destrutivos da sua vida no Saloon. E jogá-lo fora nada mais é do que uma tentativa ilusória de descartar seu passado. Entretanto para o olhar ingênuo de Carlitos a imagem será a materialidade de sua admiração por aquela mulher. 

Então Georgia, apenas para confrontar e humilhar Jack, convida Carlitos para dançar - perceba como ele aparece mesclado e diminuto ao cenário (pilastra) e como o casal possui total dominância no lado mais forte do quadro. Chaplin nos oferecerá várias gags ao longo da dança, enfatizando o ridículo passado por Carlitos. O nosso riso confundi-se com os dos fregueses que debocham e humilham o maltrapilho que ousou se aproximar da mais bela dançarina. Assim como o mendigo alheio e recluso que, motivado pelo companheiro, resolvera adentrar o salão, e, invejoso, partilha com um freguês o deboche para com Chaplin.




Continua...




 

3 comentários:

  1. Muuito interessante a questão do arco dividir as duas situações. Esse enquadramento é realmente muito interessante..

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  2. Bota interessante nisso... rs
    O cara era gênio!

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