Vale ressaltar que essa análise entrega toda a história do filme.
A segunda fase terá dois elementos preponderantes: Lola terá adquirido experiência com uma primeira etapa (perceba como Lola saberá destravar a arma) e se colocará dominante em sua vida. Entretanto essa conduta mais rígida e radical trará graves consequências.
Lola terá uma postura totalmente diferente em relação ao percurso. Irá se machucar na escada (referência ao tiro da fase anterior), atropelará a senhora com o carrinho de bebê, atravessará displicente a rua quase sendo atropelada, humilhará o rapaz da bicicleta, etc. E, novamente, numa reação em cadeia deformará as vidas ao seu redor. Seja a do pai, que descobrirá que o filho da amante não é seu, seja do motorista da ambulância, que distraído, se chocará com o vidro (prenúncio da fragmentação total da vida de Lola).
Entretanto o domínio de Lola perante a vida se mostrará frágil. Quando confrontada pelo pai, que mesmo magoado colocará a amante antes da filha (amante no centro entre os dois no plano), perderá totalmente o controle, entrando num processo de desmoronamento. Retomando o domínio (ilusório) da situação ao se esconder, novamente, atrás de uma arma de fogo (catalisador).
Destaco dois planos, que sintetizam perfeitamente a diferença entre a primeira fase de Lola e a segunda, em que ela atravessa uma praça. No primeiro plano os pisos criam uma ordem horizontal (equilibrada), mas ela corta numa diagonal. Esse trajeto diagonal cria uma ruptura com a ordem e equilíbrio das formas horizontais, como se ela escolhesse seguir por caminhos marginais mesmo tendo o ingrediente determinante para uma vida equilibrada: enxergar a Deus (simbolizado pela fonte). Já no segundo plano as formas da praça são diagonais e ela cruza exatamente na mesma direção, ou seja, ela está sintonizada com a sua vida desequilibrada. Cega e determinada a se destruir. Perceba que a fonte não está presente, mesmo a tomada sendo aérea (visão divina).
Mais uma vez há uma montagem convergente entre Manni caminhando para o assalto e Lola correndo para impedi-lo. Entretanto, dessa vez, sua força pessoal (mesmo que ilusória) e o acaso (ela chega antes) são suficientes para intervir no futuro de Manni. E assim como interfere no trajeto da ambulância, e ocasiona o acidente, determinará o fim trágico do namorado. Manni será atropelado pela mesma ambulância, convergindo numa montagem ocorrida no extracampo.
Perceba como Lola invade o plano de Manni morto, diferentemente da primeira vez, que fora baleada, quando houve um distanciamento total do campo e contracampo.
E entramos na terceira fase de Lola.
Lola acumula experiência das duas etapas anteriores e pela terceira vez muda sua postura perante os obstáculos. Conseqüentemente acaba por interferir de maneira diferente nas vidas dos que cruzam seu caminham. Um ponto determinante para constatar o crescimento de Lola é o desvio respeitoso que faz ao deparar-se com as freiras.
Detalhe nas placas de sinalização na calçada (canto superior esquerdo) que “avisam” á Lola que o correto é desviar-se das freiras e não confrontá-las.
Lola, com seu próprio crescimento espiritual (avanço no jogo), passa a ser mais atenta ao seu redor e a estar apta a emitir e receber boas vibrações. Perceba como ela não esbarra na senhora do carrinho de bebê (não sendo insultada), troca algumas palavras com Meyer, se desculpa com o rapaz da bicicleta, acaba por não encontrar o pai e conseqüentemente não o confronta (evitando mais sofrimento), não passa pelo mendigo (nível espiritual inferior)... Por conseguinte essas boas vibrações reverberam para as vidas dos outros, e todo sofrimento que essas pessoas ainda irão sofrer passam a ocorrer longe de Lola (aspecto de sua elevação). Todas essas etapas convergem para sua aceitação final do poder divino. Pedindo, finalmente, ajuda a Deus e deixando o destino da vida em suas mãos. Resultando no ganho financeiro ao jogar na roleta. Na verdade o cassino é uma manifestação direta de Deus em seu caminho. Tanto que Ele a acompanha ao entrar no salão.
Perceba como Lola é isolada no plano, conseqüência do uso de uma fraca profundidade de campo (tudo ao redor dela é desfocado). E como o plongée (tomada de cima pra baixo) denota a presença divina no cassino.
O dinheiro não é a maior dádiva concedida à Lola, mas sim a chance de salvar o guarda do banco. Ápice da sua curta existência que trará grandes transformações na maneira de enxergar a vida.
Interessante constatar que a montagem convergente das duas primeiras etapas dá lugar a uma montagem paralela, Lola saindo do cassino e salvando o guarda e Manni perseguindo e recuperando o dinheiro do mendigo, enfatizando dessa forma suas diferenças (objetivos e espiritualidade), e a impossibilidade de uma união (cruzamento) entre os dois.
Manni, devoto do dinheiro e da marginalidade, passa a ser visto por Lola de forma imatura e sem perspectiva (plano subjetivo em que Manni encontra-se diminuído no lado mais fraco do quadro). Ela, que sentira o gosto de uma existência mais nobre, passa a buscar mais do que uma simples paixão humana e egoísta (perceba a frieza com que recebe o beijo do namorado).
E ao final, Manni pergunta o que tem na bolsa...
Uma nova Lola.
E o "continua"? rs
ResponderExcluirParabéns. Não vejo a hora de ler a próxima.
Beijos.
Eu não vi o filme então tem algumas coisas que eu não entendi. Alguns fatos apresentados são meio cíclicos e repetitivos (as linhas, o carrinho de bebê, o namorado que uma vez morre e outra ele tá vivinho da silva...) É pq o tempo se repete ou é só um joguete do locutor que repete os eventos em tempos diferentes?
ResponderExcluirSegundo...o cabelo de Lola era vermelho desde o início? Existe alguma explicativa na narrativa que sustente essa cor (deve ter msm que implícita), ou era só pra dar mais destaque na personagem em meio aos outros?
Então, o filme é construído como um jogo de video game, a mesma sequência é repetida três vezes (como se fosse um "continue"). Mas a Lola vai ganhando "experiência" ao longo das sequências.
ResponderExcluirA cor vermelha serve para os dois pontos que você colocou.
Mostra "rebeldia" aparente de Lola, paixão (entrega) pelo momento presente e, principalmente, apego pelo mundo material. Já que a cor vermelha enfatiza as relações humanas, como: tensão sexual, inveja, apego, paixão, desejo...
O vermelho será repetido dentro da estrutura do filme, também, quase como um alerta à Lola e ao namorado: Pare! Vocês estão fazendo merda.
Grande abraço!
Acabo de ver o filme e agora li sua análise. Muitos detalhes passaram despercebidos pra mim, como a mudança de direção em que a Lola corta os pisos da praça, mas deu pra captar a ideia de transformação / aprendizado.
ResponderExcluirPrestei muita atenção à cena da escada, pois era a primeira que marcava a mudança. Antes dela, só aparecia a mãe ao telefone, sempre repetindo a mesma conversa. Na última destas cenas, quando ela pula o cachorro, deu a impressão que as coisas correriam bem (e correram mesmo).
Não tinha reparado (não de maneira consciente, pelo menos) que a luz, a sombra e a posição da câmera contavam tanta história. Lendo seus comentários isso ficou mais claro. Filmar é bem mais complexo do que aparenta.
As placas de sinalização avisando que o correto é desviar das freiras é tão difícil de perceber que eu não sei se dá pra concordar com o sentido que você sugere.
Muito bacana seu comentário! Valeu mesmo!
ResponderExcluirÉ muito maneiro perceber que esses elementos de filmagem, muitas vezes, são percebidos pelo espectador de forma "inconsciente". Isso, claro, com os espectadores mais sensíveis, assim como vc e seu irmão.
Então, esses detalhes da placa de sinalização são pequenas peças que constroem a "mise en scène" (falarei mais a frente a respeito) do filme, algo que muitas vezes é subliminar.
Os diretores permeiam o filme com esses detalhes que só serão percebidos se o espectador já esperar por eles... rs
Lembro do filme "A Primeira Noite de um Homem" que na cena em que o protagonista vê a mulher tirando a meia calça, as sombras da luminária formam pênis...
É um detalhe quase imperceptível, mas que dificilmente foi obra do acaso... rs
Grande abraço!