* As cenas comentadas estão no trailer!
Falar de Os
Descendentes não é tão simples quanto parece. Se, numa primeira impressão,
acreditamos que o filme é simplório e escorrega no humor fácil, numa segunda,
mais reflexiva, percebemos a intenção do diretor em buscar um caminho ágil e
libertário entre o caricato e o naturalista. E este antagonismo será o cerne
estrutural do filme.
Alexander Payne, diretor do longa, havia dissertado sobre a
dicotomia entre personagens e situações em
Sideways, algo que, de forma diferente,
trouxera para "Os Descendentes". Se no primeiro as diferenças
opositoras residiam nas atitudes dos personagens, criando momentos que vagavam
do escracho à sutileza, no segundo, o protagonista, construído e humanizado sem
grandes exageros, é inserido numa narrativa incomum transcorrida num cenário fantasticamente
irreal.
O diretor é competente ao desenvolver os personagens coadjuvantes
com o mínimo necessário, dando tempo e espaço à Clooney. Por exemplo, a cena em
que a amiga está a maquiar Elizabeth no hospital cria, junto as nossas próprias
experiências, base suficiente para que venhamos a entender as atitudes dos dois
ao se depararem com Matt enfurecido pela descoberta da traição. Pois a atitude
ofensiva e imatura da mulher e a defensiva do marido são coerentes com nossas próprias
expectativas em relação aos dois. Entretanto Payne erra ao esquecer estes e
outros elementos dramáticos ao longo da projeção.
Fato é que o diretor desenvolve a história com extrema
habilidade até sua metade, conectando forças opostas com nuances e aproveitando
o máximo do talento dos atores. Destaco a sequência em que Matt descobre que
fora traído pela esposa numa conversa com a filha e, pulsando de raiva, corre
até os amigos com intuito de descobrir a identidade do amante. O diálogo entre
pai e filha é tão real que inesperadamente percebemo-nos compartilhando de seus
sofrimentos. E ainda envolvidos no drama somos transportados para o humor junto
à desajeitada corrida de Matt. A comicidade surge naturalmente com o uso genial
de elementos corriqueiros e comuns a todos: a dificuldade em calçar-se o sapato
na pressa e a corrida desengonçada pelo chão molhado.
Entretanto a obra boicota-se ao se afastar da premissa,
deixando piadas baratas dominarem os momentos de humor, não concluindo seus
arcos dramáticos e inserindo personagens caricaturados que pouco contribuem à
narrativa. E por fim, o filme acaba por sustentar-se apenas na magnífica
atuação de Clooney, que consegue, numa única cena, humanizar sua esposa,
revitalizar a dramaticidade do tema e emocionar o espectador.
Acredito que Payne tenha errado a mão, não por covardia ou
por adequar-se à normas mercadológicas, mas sim por tentar migrar a estrutura
carregada de Sideways para um filme que necessitava de maior sutileza. Independente
disto, admito, que ao término do filme, mesmo sob a estranha sensação de desapontamento,
ficaram os momentos de genialidade escondidos em meio à deslumbrante paisagem
do Havaí.
parabéns.
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