O Artista, produção
franco-belga, é uma grande homenagem à fase de ouro do cinema mudo americano. O
diretor Michel Hazanavicius conseguiu condensar todos os signos marcantes das
obras cinematográficas da década de 1920 num só longa.
A narrativa desenrola-se entre a
migração do filme mudo para o sonoro pontuando a inadequação do grande astro da
época, George Valentin, ao cinema falado. Este, vivido por Jean Dujardin, é baseado
diretamente no ator Rodolfo Valentino, famoso por
suas atuações excessivamente limitadas ao estilo da
década de 20. Seu par romântico é Peppy Miller, interpretada por Bérénice Bejo,
uma atriz iniciante, lançada pelo próprio Valentin, que, em contrapartida, vê-se
catapultada ao estrelato com o advento do som.
O filme nasce de uma miscelânea de símbolos da gramática
cinematográfica do início do século XX, dos mais notórios como: paleta preta e branca, formato de tela 4:3, interlúdios
(cartazes com os textos), personagens rasos e narrativa simplória embebidos de
um ilibado código moral, aos menos perceptíveis, como: enquadramentos engessados,
montagem clássica e iluminação tênue. Contudo, Hazanavicius preocupa-se
em atualizá-lo ao público contemporâneo aumentando o número de cortes,
movimentando um pouco mais a câmera e, principalmente, suavizando as atuações. E
estas, quando extravagantes, são utilizadas intencionalmente como alívio
cômico.
O Artista consegue
ser tão lúcido em sua narrativa metalinguística que por vezes não damos falta
dos diálogo, qualidade alcançada, principalmente,
pela habilidade com que o casal protagonista é interpretado e devido à
competente trilha sonora que auxilia no contar da história. Destaco também a
fascinante direção de arte e o trabalho impecável na reconstituição dos
cenários e figurinos: logo ao início da projeção, durante um passeio da câmera
por uma suntuosa sala de cinema lotada, vi-me totalmente imerso naquele mundo
espetaculoso, de homens de beca e cartola e mulheres sob jóias e enfeites. Duma
época onde os filmes ainda se permitiam certa ingenuidade e o cinema, de astros
e estrelas, era sinônimo de grandiloquência.
O fato é que o filme por vezes surge como um pastiche de
Cantando na Chuva, que narra esta mesma transição ao cinema sonoro, mas
destaca-se no mercado cinematográfico devido à falta de bons filmes, e
principalmente, pela extinção do cinema clássico Hollywoodiano. Hazanavius
criou uma obra bela e agradável, remodelando os filmes americanos da década de
20 num corpo único, mas, para tornar-lhe obra-prima, faltou-lhe a alma dos
gênios do cinema mudo.