Depois de um bom tempo revejo Se7en. Me pareceu mais pálido, mais
enrijecido, menos provocante. Tudo continua ali, nada mudou. Mas talvez eu
tenha mudado.
Deve ser isso.
Entendo a pressão dos estúdios na busca cega por um produto mais
agradável à todos. Mas porquê, Deus, a última fala de Somerset?
"Concordo com a segunda parte"
O filme é bom, muito bom, não me entendam mal. Mas finalmente
sinto profundamente que Se7en é Somerset,
apenas isso...
Nos acomodamos com qualquer coisa, essa talvez seja nossa maior
característica. Aquela que nos separou dos outros animais, que nos fez criar
nossos próprios deuses. A chuva incessante, a decrepitude das paredes, o fedor
das ruas, são apenas fatores condicionados e não condicionantes. Não a toa Se7en nos apresenta um cenário
apodrecido assim como seu protagonista, pois o que não é usado, apodrece.
Somerset é um homem amargurado pelo pecado de sofrer por uma vida
que não quis. Não há nada pior do que isso. Sua descrença com a sociedade é
apenas mais uma de suas desculpas para justificar sua única escolha: viver a
margem da própria vida. Ele questiona o fato dos companheiros estarem jogando
poker ao invés de desfrutarem do conhecimento em abundância na biblioteca. E o
que Somerset faz com esse conhecimento? Um homem que mal conhece um funcionário
que aparenta estar anos no departamento - atentem-se para a forma como interage
com o senhor que estar a raspar o adesivo da porta. Um homem entorpecido pelo
barulho de um metrônomo que serve apenas como um disfarce ao som incômodo da
vizinhança.
Vejo em Somerset, a necessidade de ser resgatado. O jantar com
David e Tracy é o único momento genuíno daquele cansado policial. A câmera que
o isolara durante o jantar junta-o ao casal em meio a risada descontraída.
Comemorei o fato de Somerset não ser apenas mais um personagem ranzinza ávido
por estragar aquele momento. Não, Somerset não é assim, ele sabe que a vida
oferece bons momentos. Não é cego, apenas nega-se a enxergar. É emocionante o desabafo sobre seu passado, e
ainda mais emocionante a possibilidade oferecida àquele velho homem de usar seu
maior pecado como um conselho a Tracy. É o mais próximo que poderia chegar da
felicidade, tenho certeza.
E essa realidade flagrante em Somerset só é possível ser degustada
porque há Morgan Freeman. Os diálogos ganham outra atmosfera com sua atuação. O
silêncio comunica-se conosco de forma tão direta que nos sentimos presentes em
suas emoções. Vejam o filme apenas para acompanhar os pequenos gestos de
Freeman, não irão se arrepender.
Ao final, com a queda de David, não restou à Somerset a força
necessária para a mudança, ele está velho demais pra isso . Restou-lhe o
entendimento de que seu companheiro perdeu tudo por apostar tudo.
Diferentemente dele, que perdeu tudo sem ter apostado uma ficha sequer.
Constatação óbvia, já que no jogo cria-se a chance de ganhar ao apostar.