segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Análise (parte 3): Corra, Lola, Corra

Vale ressaltar que essa análise entrega toda a história do filme.


A segunda fase terá dois elementos preponderantes: Lola terá adquirido experiência com uma primeira etapa (perceba como Lola saberá destravar a arma) e se colocará dominante em sua vida. Entretanto essa conduta mais rígida e radical trará graves consequências.

Lola terá uma postura totalmente diferente em relação ao percurso. Irá se machucar na escada (referência ao tiro da fase anterior), atropelará a senhora com o carrinho de bebê, atravessará displicente a rua quase sendo atropelada, humilhará o rapaz da bicicleta, etc. E, novamente, numa reação em cadeia deformará as vidas ao seu redor. Seja a do pai, que descobrirá que o filho da amante não é seu, seja do motorista da ambulância, que distraído, se chocará com o vidro (prenúncio da fragmentação total da vida de Lola). 


Entretanto o domínio de Lola perante a vida se mostrará frágil. Quando confrontada pelo pai, que mesmo magoado colocará a amante antes da filha (amante no centro entre os dois no plano), perderá totalmente o controle, entrando num processo de desmoronamento. Retomando o domínio (ilusório) da situação ao se esconder, novamente, atrás de uma arma de fogo (catalisador). 





Destaco dois planos, que sintetizam perfeitamente a diferença entre a primeira fase de Lola e a segunda, em que ela atravessa uma praça. No primeiro plano os pisos criam uma ordem horizontal (equilibrada), mas ela corta numa diagonal. Esse trajeto diagonal cria uma ruptura com a ordem e equilíbrio das formas horizontais, como se ela escolhesse seguir por caminhos marginais mesmo tendo o ingrediente determinante para uma vida equilibrada: enxergar a Deus (simbolizado pela fonte). Já no segundo plano as formas da praça são diagonais e ela cruza exatamente na mesma direção, ou seja, ela está sintonizada com a sua vida desequilibrada. Cega e determinada a se destruir. Perceba que a fonte não está presente, mesmo a tomada sendo aérea (visão divina).  


 

Mais uma vez há uma montagem convergente entre Manni caminhando para o assalto e Lola correndo para impedi-lo. Entretanto, dessa vez, sua força pessoal (mesmo que ilusória) e o acaso (ela chega antes) são suficientes para intervir no futuro de Manni. E assim como interfere no trajeto da ambulância, e ocasiona o acidente, determinará o fim trágico do namorado. Manni será atropelado pela mesma ambulância, convergindo numa montagem ocorrida no extracampo.

Perceba como Lola invade o plano de Manni morto, diferentemente da primeira vez, que fora baleada, quando houve um distanciamento total do campo e contracampo.  



 

E entramos na terceira fase de Lola. 

Lola acumula experiência das duas etapas anteriores e pela terceira vez muda sua postura perante os obstáculos. Conseqüentemente acaba por interferir de maneira diferente nas vidas dos que cruzam seu caminham. Um ponto determinante para constatar o crescimento de Lola é o desvio respeitoso que faz ao deparar-se com as freiras. 


Detalhe nas placas de sinalização na calçada (canto superior esquerdo) que “avisam” á Lola que o correto é desviar-se das freiras e não confrontá-las.  



 

Lola, com seu próprio crescimento espiritual (avanço no jogo), passa a ser mais atenta ao seu redor e a estar apta a emitir e receber boas vibrações. Perceba como ela não esbarra na senhora do carrinho de bebê (não sendo insultada), troca algumas palavras com Meyer, se desculpa com o rapaz da bicicleta, acaba por não encontrar o pai e conseqüentemente não o confronta (evitando mais sofrimento), não passa pelo mendigo (nível espiritual inferior)... Por conseguinte essas boas vibrações reverberam para as vidas dos outros, e todo sofrimento que essas pessoas ainda irão sofrer passam a ocorrer longe de Lola (aspecto de sua elevação). Todas essas etapas convergem para sua aceitação final do poder divino. Pedindo, finalmente, ajuda a Deus e deixando o destino da vida em suas mãos. Resultando no ganho financeiro ao jogar na roleta. Na verdade o cassino é uma manifestação direta de Deus em seu caminho. Tanto que Ele a acompanha ao entrar no salão.
 
Perceba como Lola é isolada no plano, conseqüência do uso de uma fraca profundidade de campo (tudo ao redor dela é desfocado). E como o plongée (tomada de cima pra baixo) denota a presença divina no cassino.  



 

O dinheiro não é a maior dádiva concedida à Lola, mas sim a chance de salvar o guarda do banco. Ápice da sua curta existência que trará grandes transformações na maneira de enxergar a vida. 

Interessante constatar que a montagem convergente das duas primeiras etapas dá lugar a uma montagem paralela, Lola saindo do cassino e salvando o guarda e Manni perseguindo e recuperando o dinheiro do mendigo, enfatizando dessa forma suas diferenças (objetivos e espiritualidade), e a impossibilidade de uma união (cruzamento) entre os dois.


Manni, devoto do dinheiro e da marginalidade, passa a ser visto por Lola de forma imatura e sem perspectiva (plano subjetivo em que Manni encontra-se diminuído no lado mais fraco do quadro). Ela, que sentira o gosto de uma existência mais nobre, passa a buscar mais do que uma simples paixão humana e egoísta (perceba a frieza com que recebe o beijo do namorado).


 

E ao final, Manni pergunta o que tem na bolsa...
 

Uma nova Lola.